terça-feira, 17 de maio de 2011

PSICOPATAS: LOUCOS OU CONSCIENTES?


No limite entre a loucura e a normalidade

Para o psiquiatra forense Guido Palomba, com mais de 30 anos de experiência, a grande verdade é que esses indivíduos da “zona fronteiriça”, como ele chama, são o grande problema do sistema penitenciário. “Você mostrar a loucura para o leigo é simples, o difícil é você mostrar que aquele indivíduo que parece normal, não é”, explica.

Palomba se refere aos classificados no Código Penal como semi-imputáveis; psicopatas, condutopatas, sociopatas e portadores de transtorno de personalidade. Eles não são doentes mentais, mas possuem um defeito moral ou comportamental. “É uma questão entre a capacidade de entender o caráter criminoso e a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento, do querer e do fazer”, diz.

O psiquiatra explica que depois da reforma do Código Penal nos anos 80, quem se enquadra na semi-imputabilidade é equiparado ao criminoso comum ou ao doente mental, não há uma determinação específica para sua condição. Se nivelado ao criminoso comum, ele é enviado à cadeia e pode ter a redução de um a dois terços da pena. Do contrário é enviado para tratamentos psiquiátricos em um manicômio ou casa de custódia e tratamento. “Você pode recuperar um criminoso comum com a reclusão ou um doente mental com remédios, mas o fronteiriço é praticamente irrecuperável”, explica. Para ele, portanto, a pena para os semi-imputáveis deveria ser agravada, não reduzida.

O problema é que a Justiça tem um entendimento que não condiz com a realidade, segundo Palomba. “Muitas vezes, o Ministério Público quer jogar para a platéia”, diz. Para o psiquiatra foi isso que ocorreu no julgamento do caso de Mateus da Costa Meira, que atirou em oito pessoas dentro do cinema do shopping Morumbi. Segundo ele, o estudante tem vários gêneros de loucura em uma só pessoa, mas foi condenado como criminoso comum. “O Ministério Público saiu de lá cantando vitória pela pena de 136 anos, mas isso é tudo balela porque ninguém cumpre mais do que 30 anos”, diz. Se o preso cumpre um sexto, cinco anos, em bom comportamento, ele vai para as ruas no regime semiaberto, afirma Palomba. Ou seja, 136 anos se transformaram em cinco.

Se o Maníaco do Parque fosse julgado como semi-imputável e igualado ao inimputável – que não tem condições de entender o caráter criminoso do ato – ele pegaria, inicialmente, o máximo de três anos de medida de segurança. Terminado esse período, ele não vai para a rua e é submetido a exames psiquiátricos. “O criminoso só é liberado quando não apresenta periculosidade, só que sua periculosidade não cessaria nunca, então, ele ficara fora da sociedade por muito mais do que 30 anos”, conclui. De acordo com uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, a medida de segurança também deve acabar em 30 anos, no entanto, o réu que apresenta periculosidade é encaminhado a um hospital psiquiátrico para receber tratamentos. Ao contrário da pena que determina o máximo de 30 anos de detenção.

Porém, ao passo que ele pegasse o inicial de três anos, o Ministério Público ou o promotor sairia do julgamento como derrotado perante a opinião pública, de acordo com Palomba.

Apesar de estes três anos poderem equivaler a cem, a população entende que não se está fazendo justiça. “Jogar para o Tribunal do Júri é jogar para a platéia”, explica Palomba no que se refere a casos de semi-imputabilidade. Se para os psiquiatras a psicopatia já é um tanto quanto complexa, colocar pessoas leigas para julgar crimes desta categoria está totalmente errado, protesta o médico.

Jurados: culpados pela inocência

Para a defensora pública Carmen Silva de Morais Barros, há uma questão jurídica versus o clamor social. Casos em que a pessoa comete um crime muito grave, como fez o Maníaco do Parque, existe um discurso influente na imprensa. “A defesa está dizendo que ele é louco, para ele ser absolvido e não ir para a cadeira, ir para um hospital”, cita. Essas informações são passadas às pessoas com um clamor social enorme pela condenação do criminoso. Segundo Carmen, é por isso que em casos muito divulgados pela mídia dificilmente é reconhecida a inimputabilidade e imposta a medida de segurança, por mais psicóticos que sejam os crimes. É criada a imagem de que quem vai para o hospital para tratamento não é punido. “Como se ir para um manicômio judiciário fosse uma coisa maravilhosa”, diz.

O hospital de custódia e tratamento não deveria ser como a cadeia, mas é uma espécie de presídio. Segundo a defensora, ainda não se descobriu uma forma eficaz para o tratamento dos criminosos com transtorno de personalidade, os semi-imputáveis. “É o caso do Maníaco do Parque, a cidade inteira estava atrás dele, ele ia ser preso, se tivesse controle do impulso não ia continuar fazendo a mesma coisa no mesmo lugar”, diz.

Carmen acredita que os jurados são apenas bonecos que não entendem da ciência psiquiátrica e têm que julgar criminosos que ainda são incógnitos até para a medicina. Como leigos, julgam de acordo com a interpretação que têm sobre o que foi cometido. “O Código Penal não leva em consideração a doença, o tratamento tem relação com o crime, não tem relação com a doença, o que é um absurdo”.

2028: o destino do Maníaco do Parque

A advogada Maria Elisa Munhol acredita que o Ministério Público vai agir com o Maníaco do Parque da mesma forma como fez com Chico Picadinho . “É um problema que pertence ao MP”, diz. Para a advogada, os psicopatas podem ficar presos por 30 anos, mas, quando saírem, cometerão o mesmo crime.

O que esclarece o secretário da promotoria de execuções criminais do Ministério Público, Marcelo Orlando Mendes, é que o MP é escravo da lei. Portanto, se o Maníaco do Parque foi condenado com imputável, quando terminarem os 30 anos ele tem que ser solto. “A lei não me permite aplicar uma pena privativa de liberdade e uma medida de segurança, não posso fazer a aplicação dessas duas, ou eu aplico uma ou outra”, esclarece.

O que existe é a conversão de pena. Segundo ele, se no decorrer do cumprimento da pena o preso adquirir uma doença mental, ele é encaminhado a uma medida de segurança. Os carcereiros e companheiros de cela que podem dizer isso, aí o MP age.

No caso do Chico Picadinho, a atuação saiu da esfera penal. Segundo o secretário, o Ministério Público agiu pelo Código Civil. “Se a perícia diz que a periculosidade é reduzida a ponto de ser considerado um semi-imputável, eu tenho que aplicar a lei e reduzir a pena. Porém, se ele causa risco à sociedade, mas não gera periculosidade a ponto de necessitar de internação penal, daí a gente vai fazer o pedido de interdição civil”, explica.

Mendes revela que gostaria de poder aplicar a medida de segurança em situações de estupro reincidente e crimes contra crianças, no entanto, a lei pede condenação e pena privativa de liberdade. Ele não se conforma com essa aplicação para, por exemplo, um criminoso que estuprou um menor. Ele cumpre a pena e depois é solto, mesmo sendo um temor para a sociedade. “Qualquer coisa que o MP fizer contra essa liberação será contra a lei”, declara.

Justiça e Psiquiatria como aliadas

O psiquiatra forense, Guido Palomba, aposta na criação de uma “casa cadeia” que ofereça um tratamento psicopedagógico aos criminosos. Dar afazeres e responsabilidades aos presos. A liberdade seria baseada na periculosidade, se ela cessasse, o criminoso poderia ser solto. “É prisão perpétua? É. Você vai por a sociedade em risco? Não”, argumenta.

Outro ponto importante, de acordo com o psiquiatra, é a necessidade da mudança da mentalidade dos juízes, promotores e advogados. Eles precisam agir para que o indivíduo semi-imputável ou psicopata seja encaminhado à medida de segurança, pois a patologia não tem cura. A análise do laudo médico deve vir antes da avaliação da “leiga” opinião pública.

Matéria completa disponível em http://thaissabino.wordpress.com/2011/01/31/cadeia-nao-recupera-psicopata-e-coloca-sociedade-em-risco/

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