quinta-feira, 28 de outubro de 2010

PSICOPATAS NO MUNDO CORPORATIVO



BERNARD MADOFF (BERNIE) (foto acima) autor de de um Mega Golpe aplicado em várias empresas do mundo inteiro.

Matéria completa disponível no endereço eletrônico http://www.canalrh.com.br/revista/revista_artigo.asp?o=%7B8493645E-7B96-48A7-B7FD-A4173F7AF17F%7D

Como leões, que procuram os locais onde há água porque sabem que ali existem animais vulneráveis saciando sua sede, os psicopatas se inserem no meio empresarial. Caminhando contra o vento, se escondendo por trás de uma verve de carisma e comunicatividade, eles encontram na savana corporativa um ambiente ideal para suas investidas. Cabe a profissionais e empresas ficarem alertas e se prepararem devidamente para não se tornarem as próximas presas desavisadas. Para ajudar nessa sentinela, conversamos com o psicólogo canadense Robert Hare, responsável por boa parte do que se entende atualmente sobre a psicopatia humana nas empresas e criador de uma escala hoje utilizada em todo o mundo para medir diferentes níveis de psicopatia. Coautor do livro Snakes in Suits: When Psychopaths Go to Work (Cobras em Ternos: quando psicopatas vão ao trabalho), Hare esclareceu ao CanalRh algumas questões que envolvem esses predadores sociais e o ambiente corporativo. Confira os principais pontos citados pelo especialista.

Como identificar um psicopata na empresa?
R:É como um médico identifica uma gripe. Existem procedimentos e instrumentos próprios. Nós desenvolvemos um método para identificar pessoas com o potencial para causar problemas numa organização. O problema é que muitas empresas não utilizam instrumentos para isso, preferindo os métodos tradicionais de entrevista.

O que fazer quando se detecta um trabalhando na companhia?
R:Não posso dar um conselho. A empresa deve decidir de acordo com as implicações de sua decisão. A pessoa pode, por exemplo, ameaçar processar ou intimidar de outras maneiras. Talvez uma simples recolocação do profissional a uma posição diferente possa funcionar. Não há um conselho geral que eu possa dar. As companhias devem decidir de acordo com suas características.

Técnicas tradicionais de Rh favorecem sua existência?
R:As empresas não tomam muitas providências. Utilizam as técnicas tradicionais de recursos humanos, com testes e entrevistas. Mas esses não são métodos desenhados para identificação de indivíduos psicopáticos. Eles têm facilidade em convencer seus entrevistadores de que são ótimos candidatos. E muitas instituições nem ao menos conferem os currículos com cuidado. O candidato tem boa aparência, expressa-se e coloca-se muito bem, e o RH, às vezes, não se preocupa em checar as referências, para descobrir o que a pessoa fez antes e por que ela saiu de seu último emprego.

E o que deveriam fazer?
R:Não existem sinais específicos para se procurar; o que você tem de fazer é conseguir o máximo de informações possível sobre o candidato. E se o cargo for muito importante, envolvendo poder e controle financeiro, é preciso ter certeza absoluta de que escolheu a pessoa certa. Antes de comprar um carro, você pesquisa. Pergunta a outras pessoas sobre o automóvel, busca, enfim, dados e avaliações na internet... Por que então não fazer o mesmo quando se está contratando?

Psicopatas versus fraudes!
R:Eles podem estar envolvidos em fraudes, furtos, podem também criar um ambiente hostil entre funcionários. Além de práticas profissionais, decisões, que podem prejudicar a empresa. É fundamental lembrar que são indivíduos que estão preocupados somente com eles mesmos. Logo, veem-se como a pessoa mais importante dentro da companhia; os outros são secundários.

Há algo a aprender com eles...
R:Não sabemos ao certo se têm liderança. Eles de fato parecem ser bons líderes, porque a organização ou talvez a situação da economia em si lhes seja a ideal, uma vez que tomam decisões rapidamente, muitas vezes de maneira nada ética, até ilegal, mas que aparentemente funcionam, num contexto específico. Então eles são vistos como bons líderes, mas isso depende muito da situação. O que acontece é que, ao tentar ajudar a si mesmo, o psicopata pode acabar ajudando a empresa. Por exemplo, quando o mercado de ações está subindo constantemente, até pessoas como Bernard Madoff (responsável por uma das maiores fraudes dos últimos tempos nos EUA) parecem boas. Qualquer um pode ganhar dinheiro e dar uma aparência de sucesso a uma empresa, se o mercado estiver bom e as condições corretas. O verdadeiro teste é o que acontece quando as condições mudam. Madoff acabou indo para a cadeia quando isso ocorreu.

O ambiente corporativo é atraente para eles?
R:Porque é lá que reside toda a ação. Eu uso o exemplo de um leão nas planícies africanas: eles vão aos locais onde há água, pois sabem que lá estão os animais. Os psicopatas vão onde existe ação. E, financeiramente, a ação está em grandes corporações. Eles sentem uma atração natural por organizações, particularmente por aquelas em que as regras não são muito rígidas, que estão sempre em mudança, ou onde a regulamentação do governo é fraca.

Faltam dados científicos?
R:Eu acho que sim. Não se sabe ao certo quantos psicopatas há hoje nas companhias, pois não há pesquisa suficiente. A maioria das empresas não tem interesse em fazer uma pesquisa sistemática, científica, sobre as pessoas em seus quadros. Acho que há diversas razões para isso, uma delas é que as instituições, na verdade, não querem saber dessas pessoas, pensando em eventuais riscos legais.

Há empresas com comportamento psicopata?
R:Há um documentário, The Corporation, no qual sou entrevistado e concordo que há algumas empresas com comportamento muito similar ao de psicopatas. Não podemos descrever uma companhia como psicopata, mas podemos dizer que seu comportamento se encaixa na definição de psicopatia.

Então, existem empresas que se parecem muito com psicopatas?
R:Sim, certamente. São todas assim? Não. Algumas empresas são altruístas, preocupadas com o bem comum. Outras são predadoras gananciosas, egoístas e sem ética. Como psicopatas.

A sociedade não trata seus psicopatas!
R:É muito difícil. Basta ver o que acontece com os escândalos financeiros recentes ao redor do mundo. Como tratamos? Nós não tratamos. Nos Estados Unidos, centenas de bilhões de dólares foram perdidos por incompetência, fraude e falta de preocupação. E nada acontece às pessoas que cometeram esses crimes, o governo simplesmente oferece mais dinheiro. Então, qualquer sugestão que eu der provavelmente não surtirá muito efeito.
Porque o problema é tão complexo e tão difuso, com tantas pessoas envolvidas nesse comportamento antiético, quase criminoso, que é muito difícil rastrear
e resolver tudo. Não se trata simplesmente de descobrir que pessoas, na empresa, estão criando os problemas nem de que empresas estão criando problemas, pois a questão é muito mais ampla do que isso. Um banco, por exemplo, pode descobrir que um de seus diretores está desviando dinheiro. Mas, muitas vezes, esse banco não leva o caso ao tribunal, limitando-se a demitir, mudar de cargo ou escrever uma carta para reposicionar o profissional no mercado. Isso porque o banco não quer tornar o caso público. Não quer que as pessoas pensem que existem, em seu banco, indivíduos psicopatas. Então nem ao menos ficamos sabendo.

Faltam recursos para lidar com o problema?
R:A sociedade não está bem-equipada para lidar com essas pessoas. Nossas leis, nossas tradições e nossos critérios não são efetivos para isso. O que se pode perceber com os enormes escândalos financeiros ao redor do mundo nos últimos anos. Quase ninguém foi preso, quase ninguém teve de reembolsar as centenas de bilhões de dólares que sumiram. Não temos os recursos legais para lidar com isso. E é tudo articulado por indivíduos. Ou seja, se você é um psicopata nos negócios a vida pode ser muito boa. Um passo à frente das leis Sempre haverá um ambiente bom para eles. Não importa o que fazemos. Podemos desenvolver novas leis que eles vão encontrar novas maneiras de conseguir o que querem. São como todos os criminosos. É muito difícil conter a atividade criminosa completamente, já que os criminosos sempre estão um passo à frente da lei.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

CRIMINOSOS PSICOPATAS: O QUE A CIÊNCIA JÁ DESCOBRIU



A foto acima é de Francisco de Assis Pereira (O Maníaco do Parque), matéria completa está disopnível no site http://veja.abril.com.br/100107/p_082.html

Os estudos científicos modernos têm concentrado esforços na análise de questões bem mais intangíveis, como a psicopatia, distúrbio psiquiátrico de diagnóstico complexo. O psicopata não é um deficiente mental e tampouco sofre de alucinações ou problemas de identidade, como pode ocorrer com as vítimas da esquizofrenia. É um sujeito, muitas vezes, com inteligência acima da média. Pode ainda ser simpático e sedutor – e usar essas qualidades para mentir e enganar os outros. Embora no plano intelectual entenda perfeitamente a diferença entre o certo e o errado, o psicopata não é dotado de emoções morais: não tem arrependimento, culpa, piedade nem vergonha. É incapaz de nutrir qualquer empatia pelo próximo. "Para um psicopata, atirar em uma pessoa e jogar fora um copo plástico são atos muito parecidos", diz o neurologista Ricardo de Oliveira-Souza, da Unirio. Oliveira-Souza e seu colega Jorge Moll – coordenador da Unidade de Neurociência Cognitiva e Comportamental da Rede Labs D'Or, no Rio de Janeiro, e pesquisador dos Institutos Nacionais de Saúde, nos Estados Unidos – têm feito mapeamentos do cérebro de psicopatas com técnicas de ressonância magnética de alta resolução. Em comparação com uma pessoa normal, o psicopata mostra menor atividade cerebral em uma série de áreas envolvidas no julgamento moral. As causas dessas diferenças, porém, ainda são desconhecidas. Supõe-se que um componente genético esteja envolvido. Quanto aos componentes sociais que determinam o surgimento da psicopatia, os cientistas consideram que a ocorrência de abuso infantil, por exemplo, pode ter influência no distúrbio. "Seja na forma de espancamento, seja na de estupro, o abuso é um fator de risco para a psicopatia, embora, por si só, não possa causá-la", afirma Oliveira-Souza.

Nem todos os psicopatas derivam para o crime. Mas a ausência de qualquer escrúpulo e a habilidade para manipular e enganar suas vítimas transformam os portadores do distúrbio em criminosos especialmente perigosos. É o caso do ex-motoboy Francisco de Assis Pereira, conhecido como "Maníaco do Parque". Condenado pelo estupro e morte de onze mulheres em 1998, ele costumava se apresentar a suas vítimas como caça-talentos de uma agência de modelos. Assassinos seriais como Assis Pereira constituem a variedade mais chocante da psicopatia, mas não a mais comum. O distúrbio tem uma incidência considerável também entre os crimes menos espetaculares. Ele afeta de 20% a 30% das populações carcerárias. Para a psiquiatra forense Hilda Morana, seria importante separar os portadores do distúrbio dos demais presos. Primeiro, porque não existe cura para a psicopatia, o que torna irrecuperáveis – e, conseqüentemente, mais perigosos – os criminosos do gênero. Depois, porque psicopatas são manipuladores inatos. "O risco de eles usarem os outros presos em seu benefício ou passarem a comandá-los é grande", afirma a psiquiatra.

E o que dizer dos 80% de criminosos não psicopatas que estão nas cadeias? São bandidos por natureza ou por influência do ambiente? Esse ainda é um tópico para discussões inflamadas, freqüentemente temperadas por algum componente ideológico. A esquerda prefere apontar causas sociais; a direita, motivações individuais. Um estudo realizado em 2002, na Nova Zelândia, com mais de 400 homens, aponta para relações bem mais complexas entre genética e ambiente na formação da personalidade violenta. A atividade de um gene específico, chamado MAOA, foi examinada. Em algumas pessoas, o gene é mais ativo do que em outras – cerca de 37% dos homens possuem o gene de baixa atividade. Em estudos com ratos, esse gene era determinante na agressividade. Nos homens, porém, revelou-se uma interação curiosa. Os meninos que foram abusados na infância, mas tinham o gene de alta atividade, em geral se tornaram adultos ordeiros. O mesmo aconteceu com os que tinham o gene de baixa atividade, mas não foram abusados na infância. Foi só entre os que apresentavam uma conjunção de duas circunstâncias desfavoráveis – gene de baixa atividade e agressões na infância – que o comportamento violento, incluindo crimes como estupro e assassinato, surgiu com maior freqüência. "No debate antigo, costumava-se opor a influência da natureza à da criação, como se uma ou outra sozinha fosse determinante", diz a psiquiatra Terrie Moffitt, uma das autoras do estudo. "Hoje sabemos que natureza e meio ambiente agem conjuntamente." Uma pode ser a dinamite e o outro, o fósforo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM ROBERT D. HARE




Robert D. Hare é uma das maiores autoridades em psicopatia do mundo. Ele vai participar como palestrante do congressso anual da Sociedade Brasileira de Psicologia que será realizado na cidade de Curitiba nos dias 20 a 23 de outubro de 2010. Segue abaixo uma entrevista com o Professor Robert Hare.

O trabalho do psicólogo canadense Robert Hare, de 74 anos, confunde-se com quase tudo o que a ciência descobriu sobre os psicopatas nas últimas duas décadas. Foi ele quem, em 1991, identificou os critérios hoje universalmente aceitos para diagnosticar os portadores desse transtorno de personalidade. Hare começou a aproximar-se do tema ainda recém-formado, quando, trabalhando com detentos de uma prisão de segurança máxima nas proximidades de Vancouver, ficou intrigado com uma questão: "Eu queria entender o motivo pelo qual, em alguns seres humanos, a punição não tem efeito algum". A curiosidade levou-o até os labirintos da psicopatia – doença para a qual, até hoje, não se vislumbra cura. "O que tentamos agora é reduzir os danos que ela causa, aos seus portadores e aos que os cercam."


Um psicopata nasce psicopata?
R: Ninguém nasce psicopata. Nasce com tendências para a psicopatia. A psicopatia não é uma categoria descritiva, como ser homem ou mulher, estar vivo ou morto. É uma medida, como altura ou peso, que varia para mais ou para menos.

O senhor é o criador da escala usada mundialmente para medir a psicopatia. Quais são as características que aproximam uma pessoa do número 40, o grau máximo que sua escala estabelece?
R: As principais são ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação. Mas a escala não serve apenas para medir graus de psicopatia. Serve para avaliar a personalidade da pessoa. Quanto mais alta a pontuação, mais problemática ela pode ser. Por isso, é usada em pesquisas clínicas e forenses para avaliar o risco que um determinado indivíduo representa para a sociedade.

"Não há como dizer se uma criança se tornará um adulto psicopata. Mas, se ela age de modo cruel com outras crianças e animais, mente olhando nos olhos e não tem remorso, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro"

Todo psicopata comete maldades?
R: Não necessariamente com o intuito de cometer a maldade. Os psicopatas apresentam comportamentos que podem ser classificados de perversos, mas que, na maioria dos casos, têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles – e não importa se isso vai causar prejuízo ou tristeza a alguém. Mas há os psicopatas do tipo sádico, que são os mais perigosos. Eles não somente buscam a própria satisfação como querem prejudicar outras pessoas, sentem felicidade com a dor alheia.

Até que ponto a associação entre a figura do psicopata e a do serial killer é legítima?
R: A estimativa é que cerca de 1% da população mundial preencheria os critérios para o diagnóstico de psicopatia. Nos Estados Unidos, haveria, então, cerca de 3 milhões de psicopatas. Se o número de serial killers em atividade naquele país for, como se acredita, de aproximadamente cinquenta, isso significa que a participação desses criminosos no universo de psicopatas é muito pequena. Por outro lado, segundo um estudo do psiquiatra americano Michael Stone, cerca de 90% dos serial killers seriam psicopatas.

Em que medida o ambiente influencia na constituição de uma personalidade psicopata?
R: Na década de 20, John B. Watson, um estudioso de psicologia comportamental, dizia que, ao nascer, nós somos como páginas em branco: o ambiente determina tudo. Na sequência, entrou em voga o termo sociopata, a sugerir que a patologia do indivíduo era fruto do ambiente – ou seja, das suas condições sociais, econômicas, psicológicas e físicas. Isso incluía o tratamento que ele recebeu dos pais, como foi educado, com que tipo de amigos cresceu, se foi bem alimentado ou se teve problemas de nutrição. Os adeptos dessa corrente defendiam a tese de que bastava injetar dinheiro em programas sociais, dar comida e trabalho às pessoas, para que os problemas psicológicos e criminais se resolvessem. Hoje sabemos que, ainda que vivêssemos uma utopia social, haveria psicopatas.

"Um psicopata ama alguém da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro — e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é um sentimento de posse, de propriedade"

Como se chegou a essa conclusão?
R: Na década de 60, vários estudiosos, inclusive eu, começaram a pesquisar a reação de um grupo de psicopatas a situações que, em pessoas normais, produziriam efeitos sobre o sistema nervoso autônomo. Quando se está na expectativa da ocorrência de algo desagradável, a preocupação do indivíduo transparece por meio de tremores, transpiração e aceleração cardíaca. Os psicopatas estudados, mesmo quando confrontados com situações de tensão, não exibiam esses sintomas. Isso reforçou a conclusão de que existem diferenças cerebrais entre psicopatas e não psicopatas. Pouco a pouco, essas diferenças vêm sendo mapeadas.

É possível observar sinais que indiquem que uma criança pode se tornar um adulto psicopata?
R: Não há nada que indique que uma criança forçosamente se transformará num psicopata, mas é possível notar que algo pode não estar funcionando bem. Se a criança apresenta comportamentos cruéis em relação a outras crianças e animais, é hábil em mentir olhando nos olhos do interlocutor, mostra ausência de remorso e de gratidão e falta de empatia de maneira geral, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro.

Os pais podem interferir nesse processo?
R: Sim, para o bem e para o mal, mas nunca de forma determinante. O ambiente tem um grande peso, mas não mais do que a genética. Na verdade, ambos atuam em conjunto. Os pais podem colaborar para o desenvolvimento da psicopatia tratando mal os filhos. Mas uma boa educação está longe de ser uma garantia de que o problema não aparecerá lá na frente, visto que os traços de personalidade podem ser atenuados, mas não apagados. O que um ambiente com influências positivas proporciona é um melhor gerenciamento dos riscos.

Os psicopatas têm consciência de que são diferentes?
R: A consciência, o processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, envolve não somente o conhecimento intelectual, mas também o aspecto emocional. Do ponto de vista intelectual, o psicopata pode até saber que determinada conduta é condenável, mas, em seu âmago, ele não percebe quão errado é quebrar aquela regra. Ele também entende que os outros podem pensar que ele é diferente e que isso é um problema, mas não se importa. O psicopata faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional. É como o gato, que não pensa no que o rato sente – se o rato tem família, se vai sofrer. Ele só pensa em comida. Gatos e ratos nunca vão entender um ao outro. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato.

É muito difícil identificar um psicopata no dia a dia?
R: Superficialmente, um psicopata pode parecer um sujeito normal. Mas, ao conhecê-lo melhor, as pessoas notarão que ele é um indivíduo problemático em diversos aspectos da vida. Ele pode ignorar os filhos, mentir sistematicamente ou apresentar grande capacidade de manipulação. Se é flagrado fazendo algo errado, por exemplo, tenta convencer todo mundo de que está sendo mal interpretado.

Um psicopata não sente amor?
R: Acredito que sim, mas da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro – e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é traduzido por um sentimento de posse, de propriedade. Se você perguntar a um psicopata por que ele ama certa mulher, ele lhe dará respostas muito concretas, tais como "porque ela é bonita", "porque o sexo é ótimo" ou "porque ela está sempre lá quando preciso". As emoções estão para o psicopata assim como o vermelho está para o daltônico. Ele simplesmente não consegue vivenciá-las.

Que figuras históricas podem ser consideradas psicopatas?
R: É difícil dizer, porque seu comportamento é mediado por relatos de terceiros, e não por um diagnóstico psiquiátrico. Mas o ditador da ex-União Soviética Josef Stalin, por exemplo, era de tal forma impiedoso que talvez possa ser considerado psicopata. O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein é outro exemplo. Eu ficaria muito surpreso se ele não preenchesse todos os critérios para a psicopatia. Aliás, Saddam tinha um filho claramente psicopata (Udai Hussein, morto em 2003), dirigente de um time de futebol. Quando o time perdia, ele torturava os jogadores – ou seja, era sádico também. Já o líder nazista Adolf Hitler é um caso mais complexo. Ele provavelmente não era só psicopata.

A psicopatia é incurável?
R: Por meio das terapias tradicionais, sim. Pegue-se o modelo-padrão de atendimento psicológico nas prisões. Ele simplesmente não tem nenhum efeito sobre os psicopatas. Nesse modelo, tenta-se mudar a forma como os pacientes pensam e agem estimulando-os a colocar-se no lugar de suas vítimas. Para os psicopatas, isso é perda de tempo. Ele não leva em conta a dor da vítima, mas o prazer que sentiu com o crime. Outro tratamento que não funciona para criminosos psicopatas é o cognitivo – aquele em que psicólogo e paciente falam sobre o que deixa o criminoso com raiva, por exemplo, a fim de descobrir o ciclo que leva ao surgimento desse sentimento e, assim, evitá-lo. Esse procedimento não se aplica aos psicopatas porque eles não conseguem ver nada de errado em seu próprio comportamento.

No Brasil, os psicopatas costumam ser considerados semi-imputáveis pela Justiça. Os magistrados entendem que eles até podem ter consciência do caráter ilícito do que cometeram, mas não conseguem evitar a conduta que os levou a praticar o crime. Assim, se condenados, vão para a cadeia, mas têm a pena diminuída. O senhor acha que, do ponto de vista jurídico, os psicopatas são totalmente responsáveis por seus atos?
R: Eu diria que a resposta é sim. Mas há divergências a respeito e existem muitas investigações em andamento para determinar até que ponto vai a responsabilidade deles em certas situações. Uma corrente de pensamento afirma que o psicopata não entende as consequências de seus atos. O argumento é que, quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais para decidir. O psicopata decide apenas intelectualmente, porque não experimenta as emoções morais. A outra corrente diz que, da perspectiva jurídica, ele entende e sabe que a sociedade considera errada aquela conduta, mas decide fazer mesmo assim. Então, como ele faz uma escolha, deve ser responsabilizado pelos crimes que porventura venha a cometer. Não há dados empíricos que deem apoio a um lado ou a outro. Ainda é uma questão de opinião. Acredito que esse ponto será motivo de discussão pelos próximos cinco ou dez anos, tanto por parte dos especialistas em distúrbios mentais quanto pelos profissionais de Justiça.

O senhor está para publicar um estudo sobre um novo modelo de tratamento para psicopatas. Do que se trata?
R: Trata-se de um modelo mais afeito à escola cognitiva, em que os pacientes são levados a compreender que até podem fazer algo que desejem, sem que isso seja ruim para os outros. Não vai mudá-los, mas talvez possa atenuar as consequências de suas ações. É um tratamento com ambições relativamente modestas – tem por objetivo a redução de danos.

Matéria disponível em http://veja.abril.com.br/010409/entrevista.shtml